Um dos ensinos cardeais da Bíblia é que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, para amá-lo, obedecer-lhe e segui-lo. Vestígios desta verdade se encontram nos escritos de grandes vultos da antiquidade, até mesmo na literatura gentílica.
1. Conceitos Históricos da Imagem de Deus no Homem
Paulo assinala ante os atenienses curiosos, no Areópago, que alguns dos mais famosos poetas gregos, entre os quais Cleantes e Arato, disseram: “Porque dele [de Deus] também somos geração” (At 17.28). Daí muitos conceitos quanto a imagem de Deus no homem foram surgindo ao longo da história.
a) O conceito dos Pais da Igreja
Grandes vultos da Igreja primitiva, comumente chamados de “Pais da Igreja”, tinham como ponto pacífico a crença quanto à imagem de Deus no homem, a qual consistia principalmente nas características racionais e morais do homem, e em sua capacidade de santificar-se. Alguns deles foram levados a crer e a incluir nos seus escritos que o homem, como imagem de Deus, possui também características físicas de Deus.Irineu e Tertuliano fizeram uma distinção entre a “imagem” e a “semelhança” de Deus, encontrando na primeira as características físicas de Deus no homem, e na segunda a natureza espiritual do homem.
Contudo, Clemente de Alexandria e Orígenes refutaram a ideia de qualquer semelhança corporal entre o homem e Deus, e sustentaram que a palavra “imagem” denota as características do homem como homem simplesmente, enquanto que a palavra “semelhança” fala das qualidades que não são essenciais no homem, e que podem ser cultivadas ou perdidas. Esse conceito foi difundido também por Atanásio, Hilário, Ambrósio, Agostinho e João de Damasco. Segundo Pelágio, seus seguidores e intérpretes do seu pensamento, a imagem de Deus no homem consiste única e exclusivamente em que o homem foi dotado de razão para que pudesse conhecer a Deus; com vontade livre para que pudesse escolher a fazer o bem, e com a capacidade necessária para governar o mundo.
b) Outros Conceitos
A distinção entre a imagem e a semelhança de Deus no homem, feita por alguns dos Pais da Igreja, foi aceita e seguida por muitas escolas de interpretações que iriam influir no pensamento cristão nos anos seguintes. Evidentemente, nem sempre expressavam um mesmo pensamento quanto ao assunto; contudo aceitaram de forma comum que a imagem de Deus no homem inclui os poderes de liberdade, enquanto que a semelhança de Deus no homem falava da justiça original, com a qual Deus contemplou o homem na sua criação. Houve diferença de opinião sobre se o homem foi dotado dessa justiça original no momento da criação, ou se a recebeu posteriormente, como recompensa pela sua obediência temporária.
c) Conceitos dos Reformadores
Os reformadores refutaram a diferença entre a imagem e a semelhança de Deus no homem, e consideraram que a justiça original do homem estava incluída na imagem de Deus, que pertencia à verdadeira natureza humana em sua condição original. Quanto a isto, houve diferença de opinião entre Lutero e Calvino. Lutero, por exemplo, não reconhecia de Deus nenhum dos dons naturais do homem, tais como suas capacidades racionais e morais, senão exclusivamente na justiça original, a qual considerou perdida por causa do pecado. Calvino, por sua vez, escreveu: “…por este termo ‘imagem de Deus’ se vê a integridade com que Adão foi dotado quando seu intelecto era lúcido, quando seus efeitos estavam subordinados à razão, quando todos os seus sentimentos estavam devidamente regulados, e quando verdadeiramente Adão descrevia toda a sua excelência e os admiráveis dons do seu Criador. E, ainda que a principal base da imagem divina estava na mente e no coração, dos quais a alma e suas potências não faziam parte, nem sequer do corpo, no qual não brilhavam alguns raios de glória” (As institutas de João Calvino – Casa Editora Presbiteriana – Volume I, Págs. 204,205). O termo “imagem de Deus”, no que diz respeito ao homem, inclui tanto os dons naturais como aquelas qualidades designadas como justiça original; quer dizer, o verdadeiro conhecimento, a justiça e a santidade. Na queda do homem, toda a imagem de Deus nele ficou cativa ao pecado; porém, somente aquelas qualidades foram completamente perdidas decorrente da queda do homem.
2. O Homem Criado á Imagem de Deus
Havendo criado todas as coisas de acordo com a sua vontade, e pelo poder da Sua Palavra, no sexto dia da semana da recriação criou Deus o homem (Gn 1.26,27).
a) Formado do Pó da Terra
A Bíblia diz: “Então formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem passou a ser alma vivente” (Gn 2.7). Todas as coisas criadas por Deus vieram à existência apenas pela ação do Seu soberano poder, expresso na palavra “haja”, “haja”, “haja”. O homem, no entanto, alvo de especial cuidado de Deus, foi modelado pelos dedos do próprio Deus. Primeiramente o Senhor disse: “Façamos o homem”, depois apanhou barro bruto e começou a modelar o seu trabalho dando a ele a forma conforme havia imaginado antes; soprou-lhe nas narinas o fôlego de vida e o homem passou a ser alma vivente, como é até hoje (Gn 2.7).
b) “Homem” – Uma Definição
“Homem” vem do latim homo, palavra que segundo opinião de alguns filósofos vem de “húmus” = terra. No Hebraico, língua original do Antigo Testamento, Adam, nome dado ao primeiro homem, Adão, é traduzido por “aquele que tirou sua vida da adamah”, da terra. Esta interpretação parece razoável, principalmente quando analisada à luz da sentença proferida por Deus contra o homem após a sua queda: “… tu és pó e ao pó tomaras” (Gn 3.19).
c) O Homem, Imagem de Deus
O termo “imagem de Deus”, relacionado ao homem, fala da indelével constituição do homem como ser racional e como ser moralmente responsável. A imagem natural de Deus gravada no homem, consiste dos seguintes elementos: o poder do movimento próprio, o entendimento, a vontade e a liberdade. Neste particular está a diferença marcante entre o homem e os animais irracionais.O primeiro ponto que serve de distinção entre o homem, como imagem de Deus, e os animais irracionais, é a consciência própria. O homem tem o dom de fixar em si mesmo o pensamento, e isto o faz consciente de sua própria personalidade. A faculdade que ele tem de proferir o pronome EU abre um abismo intransponível entre ele e os animais. Nenhum animal jamais pronunciou EU, e a razão é que eles não têm consciência própria (Esboço de Teologia Sistemática – Juerp – Pag. 131).
João Wesley, o famoso evangelista e avivalista inglês, cava mais fundo para mostrar o homem como imagem de Deus, distinguindo-o dos irracionais. Diz ele: “Qual é então a separação entre o homem e os brutos? A linha divisória que eles não podem atravessar? Não é a razão… A diferença é esta: o homem é capaz de ter contato com Deus, as criaturas inferiores não são. Não temos nenhuma base para crer que eles sejam capazes de ter qualquer grau de conhecimento, de amor ou de obediência a Deus. Esta é a diferença específica entre o homem e os brutos, o grande golfo que eles não podem atravessar” (Coletânea de Teologia de João Wesley – Junta Geral de Educação Cristã da Igreja Metodista do Brasil – Pág. 111). Como imagem de Deus que o homem é, ele ainda se distingue dos irracionais: a) pelo poder de pensar em coisas abstratas; b) pela lei moral que se evidencia no seu comportamento em busca de uma perfeição; c) pela natureza religiosa que em potencial existe em cada ser humano; d) pela capacidade de fixar um alvo maior a ser alcançado no tempo e na eternidade; e) pela consciência da intensidade da vida humana; f) pela multiplicidade das atividades humanas, que, conjuntas, somam o bem comum daquele que as executa.
3. O Homem Criado à Semelhança de Deus
Em Gênesis 1.26, os termos imagem e semelhança se reforçam mutuamente, contudo, parece não terem o mesmo significado dentro das Escrituras.O homem, como “imagem de Deus”, é um ser racional e moralmente responsável. Como “semelhança de Deus”, ele se parece com o Criador em sua natureza mental.Dizer que o homem foi criado “semelhança de Deus”, não é a mesma coisa que dizer que o homem foi criado exata e absolutamente igual a Deus. Não! Primeiro, porque o homem foi feito corpo visível e palpável, enquanto que “Deus é Espírito” (Jo 4.24). Segundo, porque homem algum pode alcançar e se tornar detentor em si mesmo da absoluta perfeição do Todo-poderoso. Quanto a isto pergunta o patriarca Jó: “Porventura desvendarás os arcanos de Deus ou penetrarás até a perfeição do Todo-poderoso?”(Jó 11.7). Só Jesus Cristo, o segundo Adão, possui em si mesmo o resplendor da glória e a expressão exata de Deus (Hb 1.3). Só Ele é em si mesmo “a imagem do Deus invisível…”(Cl 1.15).
a) Semelhança Natural
Langston admite que, intelectualmente, o homem se parece com Deus, porque, se não houvesse conformidade na estrutura mental, seria impossível a comunicação de um com o outro, e o homem não poderia receber a revelação de Deus. O fato de Deus se manifestar ao homem prova que o homem pode receber e compreender esta manifestação. Deste modo o homem é uma pessoa assim como Deus é uma Pessoa, e a semelhança entre uma e outra pessoa acha-se no espírito, naquilo que o homem é e na sua natureza pessoal.”Assim sendo, a semelhança natural entre Deus e o homem perdura sempre, porque o homem não poderá jamais deixar de ser uma pessoa como Deus o é” (Esboço de Teologia Sistemática – Juerp – Pág.134).
b) Semelhança Moral
Além da semelhança natural, há ainda a semelhança moral, porque assim foi o homem criado por Deus. Essa semelhança consiste nas qualidades morais que faziam e ainda fazem parte do caráter de Deus. As Escrituras dizem que “Deus fez o homem reto…”(Ec 7.29). Todas as suas tendências eram boas. Todos os sentimentos do seu coração inclinavam-se para Deus, e nisto consistia a sua semelhança moral com o Criador. Contudo, tendo dado lugar ao pecado, comendo do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, o homem ficou condicionado e escravizado ao mal. A semelhança entre o homem e Deus sofreu avaria, e foi com o propósito de consertá-la que Cristo morreu na cruz. Hoje, graças a isto, milhões de filhos de Deus, em toda a terra, possuem uma nova identidade com aquele que os criou.A semelhança entre o homem e Deus é sugerida em outros aspectos tais como: a) uma semelhança triúna: o homem sendo um ser tríplice, e Deus um ser trino (1 Ts 5.23); b) uma semelhança que inclui a imagem pessoal, pois tanto Deus como o homem possuem personalidade (Ex 3.13,14); c) semelhança envolvendo existência interminável, como a de que Deus dotou o homem (Mt 25.46).