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Estudo da Hamartologia

INTRODUÇÃO

As Escrituras destacam dois grandes princípios morais mediadores do comportamento do homem em relação a Deus: a santidade e o pecado. Na esfera moral, a santidade corresponde ao bem, enquanto que o pecado corresponde ao mal. Todos os mais princípios e qualidades morais podem ser classificados de maneira a se identificarem com a santidade e o bem, ou com o pecado e o mal. Por essa razão a doutrina do pecado recebe especial atenção na Bíblia.

Qualquer pessoa que se dá a meditar na doutrina do pecado, procurando compreendê-la mesmo à luz das Escrituras, inevitavelmente há de se defrontar com a seguinte indagação: Qual a origem do pecado? Esta indagação quer a encaremos no contexto da Igreja ou da Teologia, amplia-se numa indagação sobre a origem do mal em todo o mundo. As perturbações da vida e a consciência de algo anormal atuando decisivamente no mundo, conduzem o homem pensante a essa questão; e inúmeras são as respostas formuladas através da história; respostas nem sempre harmônicas entre si.

1. Conceitos Históricos Sobre a Origem do Pecado

São os mais diversos conceitos que ao longo da historias surgiram acerca da origem do pecado. Irineu, bispo de Lyon, na Ásia Menor (130-208 d.C.), foi, talvez, o primeiro dos países da Igreja Antiga, a assegurar que o pecado no mundo se originou na transgressão voluntária do homem no Éden. O conceito de Irineu logo tomou conta do pensamento e da teologia da Igreja, especialmente como arma no combate ao gnosticismo, pois este ensinava que o mal é inerente à matéria.

a. Do Gnosticismo a Orígenes

O gnosticismo ensinava que o contato da alma humana com a matéria era que a tornava imediatamente pecadora. Esta teoria naturalmente despojou o pecado do seu caráter voluntário como é apresentado na Bíblia. Orígenes (185-254 d.C.) sustentou este mesmo ponto de vista por meio de sua teoria chamada “preexistencismo”. Segundo ele, as almas dos homens pecaram voluntariamente em existência prévia, e, portanto, todas entraram no mundo numa condição pecaminosa.

Este conceito de Orígenes sofreu forte oposição mesmo nos seus dias.

b. Os pais da Igreja Grega

Em geral os Pais da Igreja grega dos séculos III e IV se mostraram inclinados a negar a relação direta entre o pecado de Adão e seus descendentes. Em contraposição, os Pais da Igreja latina ensinaram com bastante clareza que a presente condição pecaminosa do homem encontra sua explicação na primeira transgressão de Adão no Éden.

b. De Agostinho à Reforma

O ensino da Igreja do Ocidente quanto à origem do pecado teve seu ponto mais elevado na pessoa de Agostinho. Ele insistiu no ensino de que em Adão toda a humanidade se acha culpada e maculada. Já os teólogos semipelagianos, admitiam que a mancha do pecado, e não o pecado mesmo, é que era causada pelo relacionamento humanidade – Adão. Durante a Idade Média, o que se cria a respeito de assunto era uma mistura de agostinismo e pelagianismo. Os Reformadores, particularmente, comungaram do ensino de Agostinho.

d. Do Racionalismo a Karl Barth

Sob a influência do racionalismo e da teoria evolucionista, a doutrina da queda do homem e de seus efeitos fatais sobre araçá humana, foi descartando-se gradualmente. Começou a si difundir a idéia de que, se realmente houve o que a Bíblia chama “queda” do homem, essa queda foi para o alto. A idéia do pecado odioso aos olhos santos de Deus foi substituída pelo mal, e este mal se aplicou de diferentes maneiras. Por exemplo, Emmanuel Kant o considerou como parte inseparável do que há de mais profundo no ser humano, e que não se pode explicar. O evolucionismo chama esse “mal” de oposição das baixas inclinações ao desenvolvimento gradual da consciência moral. Karl Barth, teólogo suíço (1886-1968), fala da origem do pecado como um mistério da predestinação. Em suma: o que muitas correntes da teologia racional erradamente ensinam é que Adão foi na verdade o primeiro pecador, porém sua obediência não pode ser considerada como causa do pecado no mundo. O pecado do homem estaria relacionado de alguma forma com a sua condição de criatura. A história do paraíso nada mais proporciona ao homem do que a simples informação de que ele necessariamente não precisa ser pecador.

2. O Que a Bíblia Ensina Sobre a Origem do Pecado

Na Bíblia, o mal moral que assola o mundo, normalmente chamado pelos homens de fraqueza, equívoco, deslize, queda para o alto, se define claramente como pecado, fracasso, erro, iniqüidade, transgressão, contravenção, e injustiça. A Bíblia apresenta o homem como transgressor por natureza. Mas, como adquiriu o homem essa natureza pecaminosa? O que a Bíblia nos diz acerca disso? Para termos respondidas estas indagações, é interessante e indispensável considerar o seguinte:

a) Deus não é o Autor do Pecado

Evidentemente Deus, na sua onisciência, já vira a entrada do pecado no mundo, bem antes da criação do homem. Porém, deve-se ter cuidado para que ao se fazer esta interpretação, não fazer de Deus a causa ou autor do pecado. “Longe de Deus o praticar ele a perversidade, e do Todo-poderoso o cometer injustiça” (Jó 34.10). Deus é santo (Is 6.3). E não há nele nenhuma injustiça (Dt 32.4; Sl 95.15). “Ninguém ao ser tentado, diga: Sou tentado por Deus; por que Deus não pode ser tentado pelo mal, e ele mesmo a ninguém tenta” (Tg 1.13). Deus odeia o pecado e como prova disto enviou a Jesus Cristo como provisão salvadora para o homem. Assim sendo, as Escrituras rechaçam todas aquelas ideias deterministas, segundo as quais Deus é autor e responsável pela a entrada do pecado no mundo. Tais ideias são contrárias às Escrituras, mas também à voz da consciência que dá testemunho da responsabilidade do homem perante o Deus cuja santidade foi ultrajada.

b) O Pecado Teve Origem no Mundo Angélico

Se quisermos conhecer a origem do pecado,teremos de ir além da queda do homem, descrita no capitulo 3 de Gêneses, e pôr a nossa atenção em algo que aconteceu no mundo dos anjos. Deus criou os anjos dotados de perfeição, porém, Lúcifer e legiões deles se rebelaram contra Deus, pelo que caíram em terrível condenação. O tempo exato dessa queda não é dado a conhecer na Bíblia. Jesus fala acerca do Diabo dizendo ser ele homicida desde o princípio (Jo 8.44). O apóstolo João diz que o Diabo peca desde o princípio (1 Jo 3.8). Pouco se diz a respeito do pecado que ocasionou a queda dos anjos; porém, quando Paulo adverte a Timóteo no sentido de que nenhum neófito seja designado bispo sobre a casa de Deus, diz o apóstolo porque: “…para não suceder que se ensoberbeça e caia na condenação do Diabo” (1 Tm 3.6). Daí se conclui que o pecado do Diabo foi a soberba e o desejo de sobrepujar a Deus.

c) A Origem do Pecado na Raça Humana

A origem do pecado na história da raça humana foi a transgressão voluntária de Adão no Éden. O homem deu ouvidos à insinuação do tentador, de que, se colocasse em oposição a Deus, se tornaria igual a Ele. Tomando do fruto que Deus proibira, Adão caiu, abrindo a porta de acesso ao pecado no mundo. Ele não somente pecou, ele também se tornou servo do pecado. Neste sentido escreve o apóstolo Paulo: “Pelo que, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, por isso que todos pecaram…Pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para justificação de vida.Porque, como, pela desobediência de um só homem, muitos foram feitos pecadores, assim, pela obediência de um, muitos serão feitos justos” (Rm 5.12,18,19).

3. O Caráter do Primeiro Pecado do Homem

De acordo com o relato sagrado, primeiro pecado do homem, consistiu em haver Adão comido da árvore do conhecimento do bem e do mal, em desacato a ordem de Deus: “… da árvore da ciência do bem e do mal, dela não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gn 2.17).

a) Seu Caráter Formal

Ignoramos a razão porque o elemento de prova do homem no Éden é chamado de “árvore do conhecimento do bem e do mal”. Porém, segundo uma ideia muito comum, ela se chama assim pelo fato de que o homem, comendo dela, adquiriria conhecimento prático do bem e do mal. Berkhof é da opinião de que essa interpretação dificilmente se harmoniza com as Escrituras que afirmam que o homem, ao comer dela se tornaria igual a Deus no que diz respeito à aquisição do conhecimento do bem e do mal e portanto não tem conhecimento prático dele. Parece muito mais aceitável que essa árvore se chamava assim pelo fato de que ele estava destinado a revelar: Se o estado futuro do homem seria bom ou mau; Se o homem permitiria que Deus determinasse em seu lugar o que lhe era bom ou mau, ou se o homem determinaria por si mesmo. Qualquer significado que se dê à árvore do conhecimento do bem e do mal, deve-se ter sempre em mente que a finalidade da sua designação por Deus foi de simplesmente de provar o homem criado à sua imagem e semelhança. Adão teria de demonstrar interesse e se submeter à sua própria vontade ou à vontade de Deus, com obediência implícita e absoluta.

b) Seu Caráter Essencial e Material

A essência do pecado de Adão consiste em que ele se colocou em oposição a Deus, recusando submeter-se à sua vontade e impedindo que Deus determinasse o curso da sua vida. Adão tomou as rédeas da sua vida das mãos de Deus, determinado o seu futuro por si mesmo. O homem que não tinha nenhum direito sobre Deus, separou-se dele como se nada lhe devesse. Com essa ação, o homem estava como que levantando os punhos em direção a Deus e lhe dizendo: ”Eu não preciso mais de ti”. A ideia de que a ordem de Deus ainda estava na mente do homem no momento do seu pecado é comprovada na resposta de Eva à pergunta de Satanás, “nem tocareis nele” (Gn 3.3). Possivelmente, Eva quis enfatizar que o mandamento de Deus não havia sido razoável, isto é, era muito mais pesado do que se podia imaginar. Foi assim que no desejo de ser igual a Deus, o homem pecou e foi reduzido à categoria de servo do pecado.

4. A Universalidade do Pecado

Ainda que muitos tenham diferentes opiniões quanto à natureza do pecado e o modo como ele se originou, bem poucos se inclinam a negar o fato de que o pecado é um tormento no coração do homem, em todos os quadrantes da terra. Seja em grandes cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, ou nas mais esquecidas aldeias no seio da África, o pecado é um flagelo diário.

a) O Testemunho da História

A própria história das religiões pagãs testifica da universalidade do pecado. A pergunta do patriarca Jó: “Como, pois, seria justo o homem perante Deus, e como seria puro aquele que nasce da mulher?” (Jó 25.4). É uma pergunta feita tanto por aqueles que conhecem a revelação especial Deus, quanto por aqueles que a ignoram. Quase todas as religiões dão testemunho de um conhecimento universal do pecado e da necessidade de reconciliação com o Supremo. Há um sentimento generalizado de que os deuses estão ofendidos e de que algo deve ser feito para apaniguá-los. A voz da consciência acusa o homem diante do seu fracasso em alcançar o ideal da vida perfeita dizendo que ele está condenado aos alhos de alguém que possui um poder superior. Os altares banhados de sangue e as frequentes confissões de agravo, feitas por pessoas que buscam livrar-se do mal, apontam conjuntamente pêra o conhecimento do pecado e da gravidade dele. Onde quer que os missionários cristãos se encontrem, apodera-se deles a certeza de que o pecado é um flagelo universal. Os filósofos gregos, na sua luta contra o problema do mal, foram levados a admitir a universalidade do pecado, ainda que incapaz de explicar esse fenômeno.

b) Todos Pecaram

A pecaminosidade do homem está registrada em toda a extensão das Escrituras (Gn 6.5; 1 Rs 8.46; Sl 53.3; 143.2; Pv 20.9; Ec 7.20; Is 53.6; 64.6; Rm 3.1-12,19,20,23; Gl 3.22; Tg 3; 1 Jo 1.8,10). De fato, a Bíblia mostra o pecado como uma herança inevitável que o homem tem de administrar desde o seu nascimento, e que está presente na natureza do homem e com ele continuará até a morte (Sl 5.5; Jó 14.4; Jo 3.6; Ef 2.3). Escrevendo aos Efésios, diz o apóstolo Paulo que nós, os crentes, “éramos por natureza filhos da ira, como também os demais” (Ef 2.3). o pecado, pois, é algo original, do qual todos participam, e que os fazem culpados diante de Deus. O pecado e a morte nivelam os homens. A maior prova em favor da universalidade do pecado é que a própria obra realizada por Cristo na cruz, que no seu escopo apresenta-se como uma obra de caráter universal, e como remédio único para a doença espiritual de toda a humanidade.

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