O caráter da religião anunciada por Cristo - IV » Tifsa Brasil

O caráter da religião anunciada por Cristo – IV

1. É bastante o que foi dito, para iniciar minha narração, para que ninguém pense que nosso Salvador e Senhor Jesus Cristo é algo novo devido a sua época de vida em carne mortal. Mas, para que ninguém possa ainda supor que sua doutrina é nova e estranha, como se tivesse sido criada por um homem recente e em nada diferente dos demais homens, explicaremos também brevemente este ponto.

2. Não faz muito tempo, efetivamente, que brilhou sobre todos os homens a presença de nosso Salvador Jesus Cristo, e um povo, novo no conceito de todos, fez sua aparição assim, de repente, conforme as inefáveis predições dos tempos; um povo não pequeno, nem fraco, nem localizado em algum recanto da terra, mas ao contrário, o mais numeroso e o mais religioso de todos os povos, indestrutível e invencível por ser em todo momento objeto do favor divino, o povo ao qual todos honram com o nome de Cristo.

3. Um dos profetas que contemplou antecipadamente com os olhos do Espírito de Deus a futura existência deste povo encheu-se de tal assombro que se pôs a gritar: Quem viu semelhante coisa? E quem falou assim? Nasce uma terra em um dia e nasce um povo de uma vez! E o mesmo profeta faz também alusão em outro lugar ao nome futuro deste povo, quando diz: E os meus servos serão chamados por um nome novo, que será bendito sobre a terra.

4. Mas se está claro que nós somos novos, e que este nome de cristãos só foi realmente conhecido entre todas as nações recentemente, ainda assim e apesar disto demonstraremos aqui que nossa vida e o caráter de nossa conduta, adaptada aos próprios preceitos da religião, não é invenção nossa de ontem, mas que, por assim dizer, manteve-se em vigor desde a primeira criação do homem, graças ao bom senso daqueles antigos varões amigos de Deus.

5. O povo hebreu não é um povo novo, pelo contrário, é sabido por todos que os homens sempre o reconheceram por sua antiguidade. Pois bem, seus documentos e escritos mencionam alguns homens antigos, escassos e espaçados no tempo, é certo, mas em troca, excelentes em religiosidade, em justiça e em todas as demais virtudes. Destes, alguns viveram antes do dilúvio, outros depois. E dentre os filhos e descendentes de Noé destaca-se especialmente Abraão, de quem os filhos dos hebreus se gabam de ter por autor e primeiro pai.

6. Se, remontando-se desde Abraão até o primeiro homem, alguém dissesse que todos estes varões, cuja justiça está bem documentada, foram cristãos, ainda que não por nome mas por suas obras, não estaria enganado.

7. Porque o que este nome significa é que o cristão, devido ao conhecimento de Cristo e de sua doutrina, sobressai por sua sobriedade, por sua justiça, pela firmeza de seu caráter, pelo valor de sua virtude e pelo reconhecimento de um só e único Deus de todas as coisas, e a atitude daqueles homens em relação a estas coisas em nada era inferior à nossa.

8. Não se preocuparam com a circuncisão corporal, como tampouco nós; nem da guarda do sábado, como tampouco nós; nem da abstenção destes ou daqueles alimentos, nem de afastar-se de tantas outras coisas, como Moisés deixou por tradição para que se cumprissem como símbolos, e que nós, os cristão de agora, tampouco guardamos. Em troca, claramente conheceram ao Cristo de Deus que, como demonstramos antes, apareceu a Abraão, tratou com Isaac, falou a Israel e conversou com Moisés e com os profetas posteriores.

9. Por isso poderás ver que aqueles amigos de Deus são também dignos do sobrenome de Cristo, conforme a sentença que diz sobre eles: Não toqueis a meus Cristos, nem façais mal a meus profetas 10. Daí se percebe claramente a necessidade de crer que aquela religião, a primeira, a mais antiga e mais venerável de todas, tesouro daqueles mesmos varões amigos de Deus e companheiros de Abraão, é a mesma que recentemente foi anunciada a todos os povos pelos ensinamentos de Cristo.

11. Talvez se possa alegar que Abraão recebeu muito tempo depois o mandamento da circuncisão, mas também se proclama e se dá testemunho de sua justificação por sua fé, anterior a este mandamento, pois diz assim a divina Escritura: E creu Abraão em Deus, e foi-lhe imputado para justiça.

12. E a ele, assim justificado, mesmo antes da circuncisão, Deus, que lhe apareceu (e este Deus era o próprio Cristo, o Verbo de Deus), comunicou um oráculo a respeito dos que em tempos futuros seriam justificados do mesmo modo que ele; os termos da promessa são: E em ti serão benditos todos os povos da terra; e também: E se fará um povo grande e numeroso, e nele serão benditos todos os povos da terra 13. Agora pois, pode-se estabelecer que isto foi cumprido em nós, porque efetivamente Abraão foi justificado por sua fé no Verbo de Deus, o Cristo que lhe apareceu, depois que deu adeus às superstições de seus pais e ao erro de sua vida anterior, e após confessar um só Deus, que está sobre todas as coisas, e de honrá-lo com obras de virtude, não com as obras da lei de Moisés, que veio mais tarde. E sendo assim, a ele foi dito que todas as tribos da terra e todos os povos seriam benditos nele.

14. Pois bem, nos dias de hoje esta mesma forma de religião de Abraão só é praticada, com obras mais visíveis do que as palavras, entre os cristãos espalhados por todo o mundo habitado.

15. Portanto, o que poderia ainda impedir-nos de reconhecer uma única e idêntica vida e forma de religião para nós, os que procedemos de Cristo, e para aqueles antigos amigos de Deus? Deste modo teremos demonstrado que a prática da religião que nos foi transmitida pelo ensinamento de Cristo não é nova nem estranha, mas, para dizermos a verdade, a primeira e única verdadeira. E baste-nos isto.

Você está sendo o livro: História Eclesiástica, que conta sobre os mártires dos apóstolos.

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