[…] Apresentação do pensamento de dois pensadores que têm as suas obras relidas atualmente, graças as propostas de diálogo com outro que defendem. O filósofo Martin Buber e o educador Paulo Freire veem a palavra como ponto central para a alteridade, o encontro entre as pessoas. Numa época de distanciamento e individualismo, os dois pensadores pensam um diálogo possível para a humanidade.
O diálogo possível
Martin Buber (Áustria, 1878) e Paulo Freire (Brasil, 1921).
Um dos eventos mais significativos do início do século XX foi a redescoberta do princípio dialógico, uma migração do lugar do pensamento fundada na afirmação de que não é o sujeito a chance primordial do ser, mas sim a sua vulnerabilidade à alteridade. A obra de do filósofo austríaco de origem judia Martin Buber (1878-1965) é parte desse empenho. Para Buber a existência humana emerge do encontro dialógico que determina a palavra como interação entre os homens. No diálogo a palavra não é mais logos, puramente anunciador, pois fundamenta a existência; ela vai além da subjetividade, estabelecendo uma dimensão ontológica – o inter-humano, evento no qual os homens podem assegurar sua soberania e sua liberdade de estabelecer relações. O logos não é simplesmente razão, princípio de ordem, porém em virtude de seu vínculo essencial com a práxis, é a palavra responsável pelo desvendar da existência humana como coexistência. Assim, o ser humano existe mediante o encontro, a relação (Beziehung).
Esta questão marca decisivamente a história da Filosofia, uma vez que a maioria das filosofias ocidentais não são centradas na alteridade, no outro, mas na identidade, no eu em si A incisiva afirmação de Buber – apresentada em sua obra Eu e Tu (1923) –, de que, sem o Tu, o Eu não é possível diz respeito a uma verdadeira revolução. Isto alude à indubitável disponibilidade do homem para relacionar-se, para encontrar-se. Com efeito, a fala mais propriamente humana é a resposta à locução de um Tu, no encontro face a face com a pessoa do outro. A existência humana é dialogante. Como afirma Buber, “a palavra–princípio Eu-Tu só pode ser proferida pelo ser na sua totalidade. O Eu se realiza na relação com o Tu; é tornando Eu que digo Tu”. O livro Eu e Tu (1923), publicado originalmente em alemão, é uma ontologia da relação, ultrapassando a simples descrição fenomenológica das atitudes do homem no mundo ou de uma fenomenologia da palavra. A palavra, pela intencionalidade que a anima, é o princípio ontológico do homem como ser dialogante.
O homem é essencialmente uma abertura graças à palavra originária[1] e instaura o emergir dinâmico de sua existência pela palavra. Por este motivo o Eu (homem) precisa pronunciar-se e dirigir-se ao Tu (outro), a fim de que confirme sua existência, utilizando a palavra/dialógica, a palavra em sua ação totalizadora. Para Buber a palavra é portadora do ser. Não é outra coisa, senão palavra de proximidade, resposta que precede a questão, palavra de responsabilidade pelo outro, palavra entre; não palavra sobre ou palavra imperativa e dominante que explora o outro, tratando-o como mero objeto, para extrair-lhe a alteridade. Palavra, gestante de reciprocidade, pela qual o Eu sai em direção ao Tu. Assim está, em ato, instaurada a reciprocidade no existir dialógico de um Eu com um Tu.
O pensador e educador brasileiro Paulo Freire compreende o diálogo como o alicerce fundamental de seus métodos educacionais. Sem o diálogo não há comunicação e sem esta não há verdadeira educação. Em seu importante ensaio, Pedagogia do Oprimido (1970), o pensador brasileiro apresenta as bases de uma teoria da ação dialógica. Para ele a dialogicidade é a essência da educação como prática da liberdade. Por isso afirma que: “Se ao dizer suas palavras, ao chamar o mundo, os homens o transformam, o diálogo impõe-se como o caminho pelo qual os homens encontram seu significado enquanto homens; o diálogo é, pois, uma necessidade existencial” .
Para Freire “quando tentamos um adentramento no diálogo como fenômeno humano, se nos revela algo que já podemos dizer ser ele mesmo: a palavra”. Não há palavra verdadeira que não seja práxis, ação e reflexão em uma interação radical. No pensamento freireano, ao se estabelecer um diálogo, busca-se que o homem pronuncie sua palavra, e este pronunciar sua palavra significa começar a transformar o mundo, porque existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo. Dizer a palavra não é privilégio de alguns homens, mas direito de todos os homens. Precisamente por isto, ninguém pode dizer a palavra verdadeira sozinho, ou dizê-la para os outros, num ato de prescrição, com o qual rouba a palavra dos demais.
“O eu anti-dialógico, dominador, transforma o tu dominado, conquistado, num mero isto”. O eu dialógico, pelo contrário, sabe que é exatamente o tu que o constitui. Sabe também que, constituído por um tu – um não-eu –, esse tu que o constitui se constitui, por sua vez, como eu, ao ter no seu eu um tu. Não há, portanto, na teoria da ação dialógica, um sujeito que domina pela conquista e um objeto dominado. Em lugar disto, há sujeitos que se encontram para a pronúncia do mundo, para a sua transformação. A conquista implícita no diálogo é a do mundo pelos sujeitos dialógicos, não a de um pelo outro. Trata-se da conquista do mundo para a libertação dos homens .
No pensamento freireano a dialogicidade da educação não começa quando o educador-educando se encontra com os educando/educadores em uma situação pedagógica, mas antes, quando aquele se pergunta em torno do que vai dialogar com estes. Esta inquietação em torno do conteúdo do diálogo é a inquietação em torno do conteúdo programático da educação . Freire afirma: “O momento deste buscar é o que inaugura o diálogo da educação como prática da liberdade. É o mesmo em que se realiza a investigação do que chamamos de universo temático do povo ou o conjunto de seus temas geradores”.
Enquanto na prática bancária da educação, anti-dialógica por essência, por isto, não comunicativa, o educador deposita no educando o conteúdo programático da educação, que ele mesmo elabora ou elaboram para ele, na prática problematizadora, dialógica por excelência, este conteúdo, que jamais é depositado, se organiza e se constitui na visão do mundo dos educandos, em que se encontram seus temas geradores.
Considerações finais
Diante deste desafiante confiante para o diálogo feito por Martin Buber e Paulo Freire é que convidamos você a pensar a filosofia como parte integrante de sua vida, sabendo que com a filosofia e os filósofos podemos abertamente encarar dúvidas e buscar respostas.
Como vimos, a Filosofia Contemporânea, a filosofia de nosso tempo, resulta de uma tentativa de encontrar respostas à crise do projeto filosófico da modernidade. Suas principais correntes visam seja atualizar o racionalismo e o funcionalismo característicos da Filosofia Moderna, seja romper com esta tradição em direção a novas alternativas a partir da influência de filósofos como Heidegger, Sartre e Wittgenstein. Um dos aspectos centrais dessa crise é o questionamento da subjetividade como ponto de partida da tentativa de fundamentação do conhecimento e d aética. A linguagem para a ser vista, em diferentes perspectivas, como uma alternativa filosófica. Mas também verificamos na Filosofia Contemporânea críticas à civilização ocidental e o desejo de encontrar caminhos para um mundo sem um Deus. Há forte rejeição na crença nos valores absolutos, na moral de rebanho e na tradição cultural castradora da criatividade, da ação e da emoção pura do homem.
Referências Bibliográficas
Albert Camus. O mito de Sísifo; Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. Dicionário da língua portuguesa.