História dos Hebreus De Abraão à queda de Jerusalém - Capítulo 16 » Tifsa Brasil

História dos Hebreus De Abraão à queda de Jerusalém – Capítulo 16

O rei Agripa vem a Roma e, tendo sabido do próprio Caio que ele queria mandar colocar sua estátua no Templo de Jerusalém, desmaia. Depois de se ter refeito daquela fraqueza e do espanto que se lhe seguiu, ele escreve para o príncipe.

Como ninguém mais que Caio penetrava o pensamento dos homens, ele logo percebeu o temor de Agripa e disse-lhe: “Quero vos esclarecer o que desejais sa­ber. Vós me conheceis muito bem para ignorar que eu não falo menos com os olhos do que com a língua. Os homens de bem de vossa nação são os únicos de todos os homens que não me querem reconhecer como deus e que parecem correr voluntariamente para sua ruína, pela recusa em obedecer à ordem que dei, de colocar no seu Templo a estátua de Júpiter. Eles se reuniram de todas as cidades e dos campos para vir a mim, aparentemente, como suplicantes, mas para de­monstrar-me na realidade o desprezo que têm por minhas ordens”. Ele queria continuar a falar, mas Agripa, tocado de uma dor violenta, retirou-se para cair, desmaiado, se não o tivessem amparado. Levaram-no ao seu apartamento e ele ficou por muito tempo sem conhecimento algum.
O estado em que se encontrava o príncipe aumentou ainda mais a ira de Caio contra nossa nação. “Se Agripa”, dizia ele, “que sempre tanto me amou e que me deve tantos benefícios, tem tão forte amor aos costumes de seu país, que não pôde suportar que a eles se desobedeçam, por pouco que seja, pois o que eu lhe disse pareceu custar-lhe a vida, que deverei esperar dos outros judeus, aos quais nenhuma consideração leva a renunciar, para inclinar-me, eu aos seus sentimentos?”

Durante todo o resto do dia e uma parte do dia seguinte, Agripa caiu em tal delírio que não podia voltar a si. Por fim, à tardinha, ele ergueu um pouco a cabeça e abrindo os olhos, com grande dificuldade, lançou-os sobre os que estavam em redor dele, mas não os reconheceu. Recaiu depois em seu desmaio. Sua respiração, porém, era mais livre. Algum tempo depois ele despertou, dizendo: “Onde estou? E em casa do imperador? Ele está presente?” “Coragem, senhor”, responderam-lhe, “estais em nossa casa, e o imperador não está aqui; dormistes demais; despertai agora, por favor, e fazei algum esforço para nos reconhecer. Somos aqui todos amigos, vossos domésticos, vossos libertos, que vós amais e vos amam mais que a pró­pria vida”. O soberano, então, voltou a si e percebeu em seus rostos a impressão que seu mal lhes tinha feito no coração. Os médicos mandaram sair a maior parte dos que estavam no quarto, para lhe dar algum remédio e alimento. Ele, então, disse: “Não penseis em me dar alimentos delicados. Basta-me na aflição em que estou, que me impeçais de morrer de fome. Eu não me poderia mesmo resolver a comer, se não me restasse alguma esperança de ajudar minha nação em tal e tão grande desgraça”. Acompanhou estas palavras com lágrimas, tomou somente o que lhe era absolutamente necessário para manter a vida, e não quis mesmo permitir que lhe misturassem uma só gota de vinho na água que ele bebeu. “Deram ao meu corpo”, disse depois, “o que ele precisava apenas para não morrer, que me resta agora, senão fazer todo o esforço possível junto do imperador, para procurar demovê-lo dessa grande tempestade?” Pediu então tabuinhas e escreveu esta carta ao príncipe.

“O respeito e o temor impediram-me, senhor, de me apresentar diante de vós. O brilho de vossa majestade me deslumbra e vossas ameaças me assustam. Uma carta vos exprimirá melhor minha mui humilde oração, mais do que eu poderia fazer de viva voz. Sabeis, grande príncipe, que a natureza gravou no coração de todos os homens um ardente amor pela pátria e uma singular veneração pelas leis que eles receberam de seus antepassados, como vós bem manifestais por vossa afeição por uma e pelo cuidado que tomais em fazer observar as outras. Essa inclinação que nasce conosco é tão forte que não há povo ao qual suas leis não pareçam justas, embora não nos sejam de fato, porque delas se julga mais pelo respeito que se lhes tem do que pela razão.

“Bem sabeis, senhor, que eu sou judeu, nascido em Jerusalém, onde está esse santo Templo, consagrado em honra do Deus Todo-poderoso. Eu tive por ante­passados os reis desse país. Alguns deles foram soberanos sacerdotes e estima­ram mais essa dignidade do que a própria coroa, porque estavam persuadidos que tanto quanto Deus está acima dos homens, tanto o sacerdócio está acima do trono; as funções de um têm por objeto as coisas divinas, ao passo que o poder que o outro dá só se refere às coisas humanas.
“Como eu me encontro, senhor, ligado por tantos liames àquela nação, a essa pátria e a esse Templo, eu não poderia recusar ser-lhes medianeiro e intercessor junto de vós. Peço-vos, então, por minha nação, de não permitir que ela seja obrigada a sentir diminuir o seu zelo por vós. Nenhum outro povo em toda a Europa e toda a Ásia nunca demonstrou tanto por vossa augusta família imperial, em tudo o que sua religião e suas leis podem permitir. Ele não somente faz seus votos e sacrifícios para vossa prosperidade e a de vosso império, nas festas públi­cas e solenes, mas fá-lo todos os dias, o que demonstra que não é com simples palavra e falsas aparências, mas de fato e do fundo do coração, que ele demons­tra tão sincero afeto por seus imperadores.

“Quando à cidade santa, onde vi a luz do dia, posso dizer que não somente ela deve ser considerada como a capital da Judeia, mas ela o é ainda de vários outros países, por causa das tantas colônias que ela povoou no Egito, na Fenícia, na Síria Superior e Inferior, na Panfília, na Cilícia, em várias outras partes da Ásia, até a Bitínia e mais além, no Ponto. Na Europa, a Tessália, a Beócia, a Macedônia, a Etólia, Atenas, Argos, Corinto, com a maior parte do Peloponeso e mesmo as ilhas Célebres, como a Eubeia, Chipre e Cândia. Que direi também dos países de além do Eufrates, onde exceto uma parte da província de Babilônia e de alguns governos, todas as cidades situadas em regiões férteis são habitadas por judeus? Assim, se o país de onde tenho minha origem encontrar graça diante de vós, vós não favoreceis, senhor, uma só cidade, vós beneficiareis um mui grande número de outras, espalhadas por todas as partes do mundo e é uma coisa digna da grandeza de vossa fortuna, participando do favor que ela vos dever, não haverá lugar em toda a terra onde não brilhe a vossa glória e onde não ressoem os louvores e as ações de graças que vos serão devidas.

“Vós tendes, em favor de alguns de vossos amigos, concedido a cidades inteiras o direito de burguesia romana, e assim elevastes acima dos outros os que antes estavam submissos; nisso, não menos obsequiastes, do que àquelas cidades, àqueles, em con­sideração aos quais concedestes esse favor. Posso dizer que entre todos os príncipes que vos têm por senhor e que honrais com vossa amizade, há poucos que me prece­dem em dignidade e nenhum me sobrepuja, ou melhor, não me iguala em afeto, quer porque ela me é hereditária, quer por causa dos benefícios com que vos dignastes cumular-me. Eu não ousaria, entretanto, pedir por minha pátria o direito de burguesia romana, nem mesmo que a libertásseis da servidão e a dispensásseis dos tributos. Eu vos peço somente, senhor, uma graça, que embora não vos esteja a peito, não deixará de vos ser útil, pois que nada é mais vantajoso aos súditos do que um soberano favo­rável. Jerusalém soube antes de todos os outros da vossa feliz sucessão ao trono do império e essa cidade santa fez imediatamente sabê-lo a todas as outras províncias vizinhas, comunicando-lhes tão grata notícia. Assim como ela foi a primeira de todo o Oriente que vos saudou como imperador, não pode ela esperar com justiça uma graça particular ou pelo menos não estar em piores condições que as outras?

“Depois de vos ter falado, senhor, por minha nação e por minha pátria, resta-me fazer-vos um humilde pedido por nosso Templo. Como ele está consagrado em honra de Deus e sua majestade ali habita, lá jamais se colocou estátua ou figura alguma, porque os pintores e os escultores só podem representar divindades visíveis, e o Deus que adoramos é invisível; nossos antepassados julgaram que não se podia, sem impiedade, procurar representá-lo. Agripa, vosso avô, visitou esse Templo, com respeito. Augusto ordenou por cartas expressas que de todas as partes para lá se levariam as primícias e que não se passaria um só dia sem que ali se oferecessem sacrifícios. A imperatriz, vossa bisavó, teve-o também em grande veneração. Jamais houve grego, bárbaro ou príncipe, por mais ódio que tivessem contra nós, nem sedição, nem guerra, nem cativeiro, nem alguma outra das maiores desgraças e das maiores desolações que possam acontecer aos homens, que nos fizesse colocar algu­ma estátua no nosso Templo, porque, mesmo os nossos maiores inimigos reverenci­aram esse lugar consagrado ao Criador do universo, pelo temor dos espantosos castigos que sabiam ter recaído sobre os que tinham ousado violá-lo. A esse respeito, sem citar exemplos estrangeiros, eu tratei, senhor, outros que vos são sabidos.

“Quando Marco Agripa, vosso avô, quis, para homenagear o rei Herodes, meu avô, ir à Judeia e passar do mar a Jerusalém, ficou tão comovido com a magnificência do Templo, com seus ornamentos, com as diversas funções dos sacerdotes, suas vestes e principalmente as do supremo sacerdotes, resplandecente de majestade, com a ordem que se observa nos sacrifícios, com a piedade e com tudo o mais, bem como com o respeito com o que todos o assistem, que não pôde deixar de manifestar a sua admiração. Ele sentia tanto prazer em considerar estas coisas que não se passava um dia sequer, enquanto ele esteve em Jerusalém, que lá não voltasse para apreciá-lo. Ele ofereceu ricos presentes a esse Templo e concedeu aos habitantes daquela grande cidade tudo o que poderiam desejar, exceto a isenção dos tributos. Herodes, depois de lhe ter prestado todas as honras possíveis e de ter igualmente dele recebido outras tantas, acompanhou-o ao seu embarque e o povo vinha também de todas as partes, atirar ramos de árvores e flores à sua passagem abençoando-o, muitas vezes.

“Não é também, senhor, coisa sabida de todos, que o imperador Tibério, vosso grande tio, durante os vinte e três anos de seu reinado, teve a mesma estima pelo nosso Templo, sem permitir que lá se fizesse a menor modificação na ordem que se observa? Quanto a isso, embora tanto ele me tenha feito sofrer, eu não poderia deixar de referir um fato que lhe mereceu grandes elogios e eu sei que sentis prazer em saber da verdade. Pilatos, então governador da Judeia, consagrou-lhe, no palácio de Herodes em Jerusalém, uns escudos dourados, não tanto pelo desejo de honrá-lo, como por seu ódio contra nossa nação. Não havia figuras nesses escudos, nem inscrição alguma, a não ser o nome daquele que o consagrava e o daquele ao qual era consagrado. Entretanto, o povo revoltou-se de tal modo, que enviou os quatro filhos do rei, os outros príncipes da casa real e os mais ilustres de sua nação, para rogar a Pilatos que mandasse retirar os escudos, porque era uma desobediência às leis e aos costumes de seus antepassados, nos quais seus reis e imperadores jamais tinham querido tocar. Vendo que Pilatos, que era de natural violento e teimoso, recusava-o grosseiramente, disseram-lhe: ‘Deixai de perturbar a paz de que gozamos. Deixai de nos querer levar à revolta e à guerra. Não é pelo desprezo das leis que se honra o imperador. Vós tendes necessidade de um outro pretexto para disfarçar um empreendimento tão injusto e que nos é intolerável, pois esse grande príncipe está muito longe de querer que se desobedeça às nossas leis e costumes. Se tendes alguma determinação, alguma carta e alguma outra ordem dele, que vos autorize a fazê-lo, mostrai-no-lo, e mandaremos embaixadores a ele, para apresentarem humildemente nossas razões’. Estas palavras irritaram ainda mais a Pilatos e ao mesmo tempo causaram-lhe grande aflição porque ele temia, se se mandassem embaixadores, que eles informassem o imperador de suas concussões, de suas injustiças e de sua horrível crueldade, que fazia sofrer tantos inocentes e custava mesmo a vida a vários. Em tal agitação, esse homem tão duro e tão colérico não sabia que partido tomar. Não ousava retirar os escudos já consagrados e mesmo que o tivesse feito, não se podia decidir a causar um prazer e um favor ao povo; conhecia o espírito de Tibério. Os que intercediam pelos judeus julgando que, ainda que dissimulasse, ele se arrependeria do que tinha feito, escreveu a Tibério uma carta muito insistente e muito respeitosa; não há necessidade de outra prova da cólera que sentiu contra Pilatos, do que depois de lhe ter manifestado sua indignação pela resposta que lhe deu; no mesmo instante ele mandou retirar os escudos e levá-los ao Templo construído em Cesareia, em honra de Augusto, o que se fez. Assim, prestou-se o devido respeito ao imperador e não se desobedeceu às nossas leis e aos nossos costumes. Não havia, entretanto, figura alguma naqueles escudos, e agora trata-se de uma estátua. Aqueles escudos só tinham sido colocados no palácio do governador: e quem colocar essa estátua no Templo, no mesmo santuário, lugar santo, no qual somente o soberano sumo sacerdote pode entrar e somente uma vez por ano, depois de um jejum solene, para queimar perfumes em honra de Deus, e pedir-lhe por preces humildes que faça feliz a todos, aquele ano. Se algum outro, não somente de nossa nação, homem qualquer, mas sacerdote, sem excetuar aquele que ocupa o mais alto cargo, depois do sumo sacerdote, ousa lá entrar ou se o sumo sacerdote, ele mesmo entrassem duas vezes no ano, ou três ou quatro, no dia em que lhe é permitido entrar, isso lhes custaria a vida e ninguém lhes poderia alcançar o perdão, tanto o nosso legislador expressamente ordenou que se reverenciasse aquele lugar santo e o tornasse inacessível. Não deveis portanto duvidar, senhor, de que, se para lá se levar uma estátua, não se encontrará um sacerdote que não se mate com suas próprias mãos, bem como a suas esposas e filhos, para não ver tal violação de nossas santas leis.
“Foi assim que Tibério fez nessa ocasião. Quanto ao mais feliz de todos os imperadores que jamais subiu ao trono, o admirável príncipe, vosso predecessor, que depois de ter dado a paz a toda a terra mereceu pela virtude o glorioso nome de Augusto, quando ele soube que não se colocava em nosso Templo nenhuma figura visível para representar o Deus invisível, admirou essa prova de nossa piedade e da de nossa nação, porque ele era muito instruído nas ciências e passava a maior parte do tempo, quando estava à mesa, falando do que tinha aprendido com os grandes filósofos e com a convivência de homens de letras que mantinha junto de si, a fim de dar ao seu espírito um alimento agradável, ao mesmo tempo que não podia recusar ao corpo o que lhe era necessário. Eu poderia trazer outras provas de sua boa vontade para com nossa nação, mas contentar-me-ei com estas duas. Tendo sabido que se descuidava do que se refere às nossas sagradas primícias, ele ordenou aos governadores das províncias da Ásia que permitissem somente aos judeus, de se reunirem, porque suas assembleias não eram bacanais, nas quais só se pensava em se embriagar ou reuniões com o fim de incitar revoltas e perturbar a paz, mas verdadeiras sessões literárias, onde se aprendia a virtude, onde se aprendia a amar a justiça e a temperança e que aquelas primícias que se mandavam todos os anos a Jerusalém só eram empregadas nos sacrifícios a Deus no Templo. Assim, esse grande príncipe proibiu expressamente a quem quer que fosse, perturbar os judeus no que se referia às suas reuniões e primícias. Se não são estas precisamente as suas palavras, que eu acabo de referir, são pelo menos o sentido das mesmas, como podeis, senhor, constatar por uma de suas cartas de C. Norbano Flacco, que transcrevo em seguida: ‘C. Norbano Flacco, aos magistrados de Éfeso, saudação. O imperador escreveu-me que em qualquer parte do meu território, onde há judeus, que eu lhes permita reunirem-se segundo seu antigo costume e levar o dinheiro a Jerusalém. Comunico-vos este aviso e ordeno-vos que não ponhais a isso nenhuma dificuldade’.

“A vontade de Augusto e seu afeto por nosso Templo não se revela claramente aí, pois que ele permite aos judeus reunirem-se publicamente para recolher essas primícias e fazer outros atos de piedade?
“Eis aqui uma outra prova que não é menos importante. Ele ordenou que se oferecesse do dele, cada dia em nosso Templo, um touro e dois cordeiros, para serem imolados em honra do Deus Todo-poderoso: o que se faz ainda agora, sem que se tenha jamais interrompido essa ordem. Ele não ignorava, entretanto, que não havia nem dentro nem fora do Templo algum simulacro. Mas como nenhum outro não o sobrepujava em saber, ele julgava bem, que devia ser um Templo singular e mais santo que qualquer outro, consagrado em honra do Deus invisível, onde não havia nenhuma outra figura e onde os homens podiam levar seus votos com confiança e esperança de serem ajudados por seu auxílio.

“A imperatriz Júlia,* vossa bisavó, imitando a piedade do grande príncipe, seu marido, adornou esse Templo com um grande número de taças e outros vasos de ouro de grande valor, sem neles mandar gravar figura alguma, pois ainda que as mulheres dificilmente compreendam o que não é sensível, sua inteligência e sua aplicação às coisas grandes tinham-na de tal modo elevado nisso, como em todo o resto, acima do seu sexo, que ela diferenciava com menos luz as inteligíveis das sensíveis e estava muito persuadida de que estas últimas apenas podiam passar como sombra das primeiras.

“Como tendes, então, senhor, tantos exemplos domésticos e uma grande afeição por nós, conservai por favor, o que esses gloriosos antepassados dos quais tendes a vida e cuja sucessão vos elevou ao cúmulo da grandeza tão cuidadosamente conservaram. São imperadores que intercedem em favor de nossas leis, perante um imperador, príncipes augustos, perante um príncipe augusto, avós e bisavós perante seus netos e bisnetos, vários, perante um só, e que vos dizem: ‘Não destruais o que nós estabelecemos e que sempre foi observado, mas considerai que ainda que a subversão dessa ordem não produza no momento nenhum mau resultado, a incerteza do futuro deve fazer temer aos mais ousados, se eles renunciaram a todo temor de Deus’.

“Se eu quisesse narrar, senhor, todos os favores que vos devo, o dia haveria de terminar, antes que eu os tivesse enumerado: sinto ter que falar deles somente de passagem. Tão grandes benefícios são conhecidos por si mesmos. Quebrastes meus grilhões, mas esses ferros prendiam somente uma parte do meu corpo e a pena que sofro oprime minha alma. Livrastes-me do temor da morte, e depois, como ressuscitado, um temor ainda maior me pôs em tal estado que eu podia passar por morto. Conservai, senhor, essa vida, que eu recebi de vós e que não quiséreis, sem dúvida, ma ter dado, apenas para prolongar meus sofrimentos. Elevastes-me à maior das honras à qual os homens possam aspirar, dando-me um reino e a este reino acrescentastes a Traconítida e a Galileia. Depois de favores tão extraordinários não me recuseis, rogo-vos, senhor, um, que me é tão necessário, que os outros, sem ele, ser-me-iam inúteis e depois de me ter elevado a uma condição tão excelsa, não me precipiteis nas trevas. Eu vos não suplico que me conserveis nessa alta fortuna, de que vos sou devedor; estou pronto a renunciar a toda glória que ela me dá. O único favor que vos peço é de não tocar nas leis de meu país e se me recusardes, que opinião teriam de mim, não somente todos os judeus, mas todos os homens do mundo? Não teriam eles motivo de crer ou que eu traí minha pátria ou que perdi a honra de vossa amizade, que são dois dos maiores males que se possa imaginar? Entretanto, eu não poderia evitar cair ou num ou no outro, pois seria preciso que eu fosse um covarde e um pérfido para abandonar o interesse que me deve ser tão caro, ou que não tivesse mais parte nas vossas boas graças, se implorando vossa bondade para a conservação do meu país e do Templo que lhe é a glória principal, vos recusásseis de me tratar como os imperadores tratam sempre aos que honram com sua benevolência. Se eu for infeliz de não mais vos ser agradável, não vos peço nenhum outro favor, não de mandar-me prender, como o fez Tibério, mas de me mandar matar imediatamente. Poderia eu desejar viver depois de ter perdido vossa amizade na qual unicamente confio e ponho toda a minha esperança?”

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