História dos Hebreus De Abraão à queda de Jerusalém – Capítulo 14 » Tifsa Brasil

História dos Hebreus De Abraão à queda de Jerusalém – Capítulo 14

Petrônio manda trabalhar na execução da estátua, mas lentamente; esforça-se em vão por persuadir os principais dos judeus a recebê-la. Todos abandonam as cidades e os campos para ir procurá-lo e rogar-lhe que não executasse aquela ordem que lhes era mais insuportável que a mesma morte, mas lhe permitisse mandar embaixadores ao imperador.

Os oficiais romanos que tinham mais relações com Petrônio nos assuntos da Síria inclinavam-se para a solução da guerra; conheciam o furor de Caio e não duvidavam de que se se recusassem a cumprir suas ordens, ele descarregaria imediatamente sobre eles toda a sua cólera, certo de que eles também tinham tido parte na desobediência. Mas aconteceu, por felicidade, que tiveram oportu­nidade de deliberar, enquanto preparavam a estátua, porque ela não lhes seria mandada da Itália; creio que Deus o permitiu para salvar seu povo, como tam­bém não havia ordem expedida, para tomar na Síria a mais bela das que lá se encontravam. Sem isso, a guerra já se teria iniciado, antes que se tivesse podido encontrar algum remédio para tão grave mal.

Petrônio, depois de ter deliberado mandar fazer a estátua, mandou buscar os mais hábeis escultores da Fenícia, deu-lhes o material e escolheu Sidom como o lugar mais próprio parta o trabalho. Mandou em seguida os mais ilustres dos sacerdotes dos judeus e de seus magistrados comunicar-lhes a vontade do imperador, exortou-os a obedecer, para não serem feridos pelas desgraças que do contrário lhes seriam inevitáveis, pois as principais forças do exército da Síria estavam prontas para atacá-los e obrigá-los, se eles se recusassem a obedecer. Petrônio estava certo de poder persuadi-los e assim eles persuadiriam o resto do povo, mas enganou-se. Aquelas palavras impressionaram-nos profundamente e a princípio ficaram petrificados, mas depois desataram em lágrimas; arrancaram a barba e os cabelos, e disseram com uma voz intercalada de suspiros: “Vivemos então até esta hora para ver o que nenhum dos nossos antepassados jamais viu? Como poderíamos ver, se perderemos os olhos com a vida, antes que sermos espectadores de tão horrível impiedade?”

Essa notícia espalhou-se em Jerusalém e em toda a Judeia e todos deixaram imediatamente as cidades e os campos, como se agissem de comum acordo, para ir à Fenícia encontrar-se com Petrônio. Aquela inumerável multidão fez pensar aos que não sabiam como a Judeia era populosa, que era um grande exército que vinha atacar Petrônio, e deram-lhe imediatamente aviso; mas suas armas eram apenas gemidos e gritos que faziam reboar o espaço com tão grande barulho, o qual não cessou nem mesmo quando eles os retiveram, para se entregar aos rogos que o excesso da dor lhe trazia aos lábios. Estavam distribuídos em seis grupos, três de um lado, em que estavam os velhos, os moços e as crianças e três do outro, onde estavam as mulheres idosas, as senhoras e as virgens.

Quando se aproximaram de Petrônio, que apareceu num lugar elevado, todos se lançaram por terra soluçando tanto, que nada podia ser mais comovente; embora ele lhes ordenasse que se levantassem e se aproximassem, com dificuldade a isso se resolveram. Vieram por fim, com a cabeça coberta de cinzas, os olhos marejados de lágrimas, e as mãos às costas como condenados à morte: um dos Senadores falou em nome de todo o povo, a Petrônio, nestes termos: “Para eliminar todo pretexto, senhor, de nos acusarem de ter alguma má intenção, nós viemos sem armas, não somente, mas sem nem mesmo nos querermos servir de nossas mãos, que são armas, dadas pela natureza aos homens; nós nos apresentamos para que nos trateis como quiserdes. Deixamos nossas casas desertas, para trazer conosco nossas esposas e filhos, a fim de unirem suas preces às nossas e rogar ao imperador, por vosso intermédio, ou que nos conserve a todos, ou que nos faça morrer a todos. Amamos naturalmente a paz e a ela somos tanto mais inclinados, quanto nosso maior prazer é educar nossos filhos no trabalho e para isso ela nos dá a oportunidade. Quando Caio subiu ao trono e nós soubemos por suas cartas a Vitélio, que então estava em Jerusalém, ao qual vós sucedestes, demonstramos-lhe nossa alegria e foi por nosso meio que essa notícia se espalhou em todas as outras cidades. Nosso Templo foi o primeiro onde por esse fim se ofereceram sacrifícios, para desejar ao nosso soberano um feliz reinado. Seria justo que ele fosse o único onde se aboliria a religião, que há tanto tempo ali é observada? Nós abandonamos nossas casas, nossos bens e tudo o que possuímos.

A única coisa que pedimos é que nada se modifique no nosso Templo, mas que ele permaneça no mesmo estado em que nossos pais no-lo deixaram. Se nos recusardes esse favor, tirai-nos também, então, a vida; ser-nos-á muito mais suave perdê-la, do que vermos violar nossas santas leis. Sabemos que se preparam grandes forças para nos atacar, se nos opusermos a essa ordem, mas nós não somos tão imprudentes em querer resistir ao nosso soberano. Sofreremos antes a morte do que conceber tal ideia. Podem nos matar, fazer-nos em pedaços sem correr perigo, porque não nos defenderemos. Faremos nós mesmos o ofício de sacerdotes, imolando no Templo como vítimas, nossas esposas, nossos filhos, nossos irmãos; e depois de termos derramado seu sangue inocente, derramaremos também o nosso, para misturá-lo com o deles, matando-nos com nossas próprias mãos; exalaremos nossos últimos suspiros rogando a Deus que não no-lo impute o crime, pois o fizemos somente para não faltar ao nosso dever para com o imperador e também à observância de nossas leis. Mas, antes de chegarmos a esse extremo, nós vos pedimos, senhor, que nos concedais um pouco de tempo para mandarmos uma embaixada ao imperador. Talvez obtenhamos dele que não nos perturbe, na honra que devemos a Deus e no exercício de nossa religião, e não nos reduza à condição pior do que a das outras nações, a que ele deixa liberdade de viver, segundo seus antigos costumes e confirme os decretos de Augusto e de Tibério, seus predecessores, que bem longe de censurar nosso proceder e de encontrar algo de prejudicial em nossos costumes, aprovaram-nos inteiramente. Tal­vez nossas palavras e razões aplaquem sua cólera; a ira dos príncipes passa e sua von­tade nem sempre é a mesma. Foi por meio de calúnias que atraíram a ira do imperador contra nós; permiti-nos, por favor, que nos justifiquemos, mostrando-lhe toda a verda­de; e que haveria de mais rude do que condenar-nos sem nos ouvir antes? Se nada pudermos obter dele, quem lhe impedirá de fazer então o que ele agora pretende? Mas não nos tireis, senhor, pela recusa, essa permissão, a única esperança que nos resta e a tão grande multidão de pessoas que só vos pedem esse favor, por um senti­mento de piedade, que é verdade, que nenhum outro interesse, pode ser tão grande como o que se refere à própria salvação”.

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