História dos Hebreus De Abraão à queda de Jerusalém - Capítulo 17 » Tifsa Brasil

História dos Hebreus De Abraão à queda de Jerusalém – Capítulo 17

Caio, comovido com a carta de Agripa, ordena a Petrônio que nada modifique no Templo de Jerusalém. Mas logo se arrepende de lhes ter concedido tal favor e manda fazer outra estátua em Roma para mandá-la secretamente a Jerusalém, quando fosse para Alexandria, onde queria fazer-se reconhecer como Deus. Injustiça e crueldade desse príncipe.

Depois que o rei Agripa mandou esta carta a Caio, ficou esperando a resposta, muito aflito e inquieto, julgando muito bem que não se tratava somente da conservação ou da ruína da Judeia, mas da de toda a nação dos judeus espalhada por toda a terra.

A carta incitou no espírito de Caio diversos sentimentos. Ele não podia ver, sem se irritar, que se resistia à sua vontade e não podia deixar de se influenciar pelas razões e rogos de Agripa. Censurava seu afeto por um povo, o único que se ousava opor à consagração de suas estátuas, mas louvava a sinceridade daquele príncipe, procedente de uma alma nobre e generosa. Por fim, seu afeto por Agripa sobrepujou a cólera; ele acalmou-se e respondeu-lhe favoravelmente; concedeu-lhe como o maior de todos os favores: que não mais se fizesse aquela consagração. Ordenou também que se escrevesse a Petrônio que nada modificasse no Templo de Jerusalém. Mas incluiu a esse favor condições tão severas que ele tinha sempre motivo de temer. Ele acrescentou estas palavras à carta: “Se fora de Jerusalém, outras cidades, sejam quais forem, quiserem erguer-me altares e estátuas e houver alguém, tão atrevido que se oponha a isso, quero que seja castigado no momento mesmo, ou que me seja mandado”. Não era isso revo­gar com tais palavras o favor que fazia ao mesmo tempo que o concedia, pois só podiam eles ser considerados como sementes de revolta e de guerra? Quem duvidaria de que os povos inimigos dos judeus não encheriam imediatamente todas as províncias desses sinais sacrílegos de uma honra que é devida somente a Deus, mais para prejudicar à nossa nação do que para causar prazer a Caio, e que os judeus, não podendo tolerar tal ultraje às suas leis, Caio, para castigá-los por sua obstinação não ordenaria novamente que se colocasse a estátua no Templo? Entretanto, por uma proteção visível de Deus, nenhum dos povos vizinhos da Judeia deu motivo a essa perturbação, por mais que houvesse motivo de ser ela temida. Mas, dirá alguém, que vantagem se teve disso, pois que, ainda que os outros ficassem em paz, Caio não ficava? Bem depressa ele se arrependeu do favor que tinha concedido, voltou aos primeiros sentimentos e sem mais falar da estátua que se fazia em Sidom, a fim de não suscitar uma revolta, ordenou que se fizesse uma em Roma, de bronze dourado, para mandá-la secretamente por mar e fazê-la colocar sem rumor no Templo de Jerusalém, quando partisse para o Egito. Apressou-se em dar ordens aos preparativos para essa viagem, tanto ele desejava ver Alexandria, onde havia determinado ficar muito tempo, porque nenhum outro lugar não lhe parecia tão próprio para executar seu ridículo intento, de se fazer reconhecer como Deus, na esperança que tinha de que o exemplo daquela grande cidade, onde, por causa das vantagens que sua situação lhe dá, lá se vem de todos os lugares do mundo, para levar as outras cidades, menos importantes, a lhe prestar as mesmas honras divinas, que ele estava persuadido, aquela lhe prestaria; além disso, ele era de natural leviano e tão inconstante, que jamais fazia algo de bom, de que logo não se arrependesse e não procurasse meios para fazer pior do que antes. Eis aqui as provas: Tendo um dia dado liberdade a alguns prisioneiros, quase em seguida os mandou prender de novo, sem lhes dar mais esperanças de sair, embora nada eles tivessem feito de novo de que pudessem ser acusados.
Outra vez mandou alguns cidadãos para o exílio, os quais não tinham cometido a menor falta e eles consideraram aquele castigo como um favor, porque conheciam sua horrível desumanidade, e estavam preparados para morrer. Assim, foram para as ilhas, onde trabalhavam no cultivo da terra e suportavam pacientemente sua desgraça. E sem que tivessem feito coisa alguma que o pudesse desagradar, mandou alguns soldados para matá-los e encheu assim de luto, em Roma, muitas nobres famílias.

Se ele dava dinheiro a alguém, logo em seguida o exigia de volta, não como empréstimo, com a condição de pagar juros, mas como um roubo que lhe ti­nham feito. Esses desgraçados não eram somente obrigados a entregá-lo, mas isso lhes custava também todos os seus bens, quer os tivessem somente como patrimônio, quer adquirido com trabalho.
Os que se julgavam melhor junto dele eram arruinados com o pretexto de afeto; obrigava-os a tão excessivas despesas, em vãos divertimentos e banquetes, que, às vezes, uma só dessas festas, suntuosas e magníficas, era suficiente para arruiná-los completa­mente, obrigando-os mesmo as pedir emprestado, o que não podiam restituir. Muitos então temiam seus favores, porque não somente eram inúteis, mas tão perigosos que podiam ser tidos como verdadeiras ciladas, de que se deveriam precaver.

Tal era Caio, e como a ninguém mais ele odiava do que aos judeus, nenhum outro povo, mais que este, lhe veio a sentir os efeitos. Ele começou por Alexandria, tirando-lhe todos os oratórios e os encheu de estátuas, sem que ninguém se ousasse opor a tão grande violência. Só restava o Templo de Jerusalém, que até então tinha sido um asilo inviolável, e ele quis, para cúmulo de impiedade, arrebatá-lo a Deus para torná-lo para si, com este título: “O Templo do novo Júpiter, o ilustre Caio”.

Em que estais pensando, presunçoso e insensato príncipe? Sois apenas um homem e quereis usurpar o céu. Não vos contentais de reinar sobre tantos povos, que não há nação ou clima onde vosso império não se estenda? Mas não quereis que haja somente na terra um lugar particularmente consagrado a Deus; onde seja permitido prestar-lhe com piedade sincera as honras devidas à sua adorável majestade. São essas as grandes esperanças que todo o universo concebe de vosso reinado e ignorais que é, ao contrário, atrair sobre vós e sobre o império um dilúvio de todos os males possíveis e imagináveis?

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